terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Contra a multidão

Nós alertamos os jovens para não se dirigir aos antros de iniqüidade, mesmo que seja somente por curiosidade, porque ninguém sabe o que pode acontecer. Ainda mais terrível que isso, porém, é o perigo de acompanhar as multidões. Em verdade, não há nenhum lugar, nem mesmo o local mais nojentamente dedicado à luxúria e ao vício, onde o ser humano é mais facilmente corrompido do que na multidão.

Mesmo apesar de cada indivíduo possuir a verdade, quando ele se une a uma multidão a inverdade se apresenta imediatamente, pois a multidão é a inverdade. Ela produz impenitência e irresponsabilidade, ou enfraquece o senso de responsabilidade do indivíduo ao colocá-lo numa categoria fracionária. Por exemplo, imagine um indivíduo andando até onde Cristo está e cuspindo nele. Nenhum ser humano jamais teria a coragem ou a audácia de fazer isso. Mas como parte de uma multidão, eles teriam de certa forma a "coragem" de fazer isso - terrível inverdade!

A multidão é de fato a inverdade. Cristo foi crucificado porque ele não quis ter nada com a multidão (mesmo tendo dirigido a palavra a todos). Ele não quis formar um partido, um grupo de interesse, um movimento de massas, mas quis ser o que ele foi, a Verdade, que é relacionada ao indivíduo único. Portanto, qualquer pessoa que vai servir genuinamente à verdade é, por esse mesmo motivo, um mártir. Ganhar a multidão não é uma arte difícil; para isso, é necessária apenas a inverdade, alguma coisa sem sentido e um pouco de conhecimento das paixões humanas. Mas nenhuma testemunha da verdade se atreve a se envolver com a multidão.

O trabalho de Jesus é se envolver com todas as pessoas, se possível, mas sempre individualmente, falando com cada pessoa nas calçadas e nas ruas - de forma a separá-las. Ele evita a multidão, especialmente quando ela é tratada como autoritativa em questoes da verdade, ou quando os seus aplausos, vaias ou votações são consideradas como juízes. Ele evita a multidão com sua mentalidade de boiada, com mais intensidade do que uma jovem moça evita os bares do porto. Aqueles que falam à multidão, cobiçando a sua aprovação, aqueles que se inclinam e se arrastam pelo chão reverencialmente diante dela, devem ser considerados como sendo piores que prostitutas. Eles são instrumentos da inverdade.

Por essa razão eu poderia chorar, até mesmo desejar a morte, quando eu penso sobre como o público, com toda a sua imprensa diária e anonimidade, torna as coisas tão loucas. O fato de existir uma pessoa anônima que, por meio da imprensa, dia após dia, pode dizer o que bem entender, o que ele talvez nunca teria a coragem de dizer face-a-face como um indivíduo diante de outro indivíduo, e além disso consegue que milhares repitam essas coisas, isso tudo é nada menos do que um crime - e ninguém é responsável! Que inverdade! Tais são os caminhos da multidão.

Um comentário:

  1. este texto é de Kierkegaard? Tem a fonte caso for dele?

    Parabéns pelo blog. Fantástico.

    ResponderExcluir